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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Ser e estar

Eu vou atender a sua ligação e aceitar o convite que você não me fará.  Espere por mim. Em no máximo uma hora eu bato à sua porta. Neste instante você está preparando o omelete que fará para nós dois - aquele que sua avó chamava de fritada. Enquanto isso eu caminho até o supermercado mais próximo e compro um champagne não tão barato. Quando eu te entregar a garrafa, sua cara será de estranheza, beirando a reprovação. Sua boca dirá que não combina, a menos que estivéssemos em Paris. "Não estamos?!" Daremos risadas, sentados no carpete da sua sala de estar. Estaremos. Sala de ser. Seremos. Não importa o quê. 

terça-feira, 19 de junho de 2012

O caos da caso

Fosse o caso
Não estaria um caos
Mas quis o acaso
Que a casa caísse
E não por acaso
Casou o destino
Que encerrado
O caso fosse

quarta-feira, 14 de março de 2012

Confesso, nunca fui a Paris

Confesso: nunca fui a Paris. Não sei como são as águas do Rio Sena, apenas sorrio quando me falam das obras que guarda o Museu do Louvre, e não tenho registro fotográfico de mim no gramado da Torre Eiffel. Mais que o luxo da alta moda ou o requinte do champagne francês, interesso-me pelas produções cinematográficas, desde o menos popular La Tête en Frich até o grande clichê Le fabuleux destin d'Amélie Poulain. Todos vistos pela tela de cinema, é claro. À Paris, ou qualquer outra cidade francesa, nunca fui.

Não ter ido a Paris é um agravante. Primeiro porque estou mais perto da casa dos 20 que dos 30 anos de idade. E os jovens, bem, os jovens hoje precisam ir até Paris, Londres ou até mesmo Nova York para mostrar aonde querem chegar – mesmo que na maioria das vezes seja mais perto do que se pensa. A outra razão é que sou jornalista. Ou seja: podemos até ganhar um salário que implique no parcelamento da passagem e hospedagem, mas é obrigação saber falar sobre as viagens que se fez; se a Paris, melhor ainda. E o último detalhe, que faz toda a diferença: sou gay. E nós, gays, somos sinônimos de bem-viver. Quer mais bem-viver que Paris?


As filhas de um casal de amigos, ambas por volta de seus seis, sete anos de idade, já foram a Paris. A maioria dos meus contatos nas redes sociais, vide seus álbuns, também. Mas eu, veja só. Nunca. Nunca fui a Paris.

- De onde viemos? Para onde vamos?


Não me amole com estas questões. O que importa mesmo é ter ou não ido a Paris. Eu nunca fui. E sendo assim, minhas impressões de nada valem. Se só estive aqui, nunca acolá, como afirmar, convicto, se prefiro branco ou preto, o calor ou o frio? Só saberia tivesse ido a Paris. Sim, tivesse ido não estaria agora com a bunda sentada na cadeira, escrevendo sobre uma cidade onde nunca estive.

Ah, tivesse eu ido a Paris tudo seria diferente. Saberia a cor das águas do Sena; contaria aos desavidos, como eu, os detalhes das obras do Louvre; e reclamaria ao garçom o sabor do café.

- Nem de longe lembra os de Paris!

Teria sentado a bunda não nesta cadeira, mas em um banco parisiense. De preferência sentindo o gosto do champagne e contemplando a moda francesa. Honraria os jovens, os jornalistas, os gays. Mas confesso: nunca fui a Paris.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Escute o silêncio, Teresa

Não recordo a última vez que elogiei Teresa. Sei que esta manhã, quando ela pegou a bicicleta que estava atirada em um canto da lavanderia e foi pedalar, fiquei na vontade. Não usava nada que realçasse suas formas. Pelo contrário. Vestia qualquer coisa velha e comportada. Mas tinha os habituais olhos marotos e aquele sorriso de uma só linha, que não deixa mostrar os dentes. Estava linda. E indubitavelmente sexy.

Quando fomos apresentadas, disse a ela que era a mulher mais bonita que eu já conhecera. Ela respondeu que aquilo não era novidade para seus ouvidos. Viesse da boca de outra pessoa isso soaria prepotência. Talvez até tenha um pouco disto. Mas Teresa apenas me alertava que eu teria de ser mais original em minha conquista. Sabia desde o início que não era verdade absoluta o que eu dizia. Que há muitas outras mulheres mais belas que ela. Mas tinha, e ainda tem, plena noção dos desejos que desperta. O caso é que, com verdades ou mentiras, conquistei-a.

Aquela mulher hoje é minha. Eu, de início, quis mostrar isso ao mundo. Saía por aí de mãos dadas com ela. Orgulhosa. Quando alguém elogiava sua beleza, eu me fazia de rogada, e como fosse a coisa mais natural do mundo, apenas sorria e balançava a cabeça. Sem alardes. Teresa, danada, percebia meu jogo e participava. Toda vez que íamos a um evento com a presença de conhecidos meus, aprumava-se na medida exata de causar boa impressão, sem exageros.

Teresa tem um quê de narcisista. Porém, não a ponto de afogar-se em suas próprias águas. Às vezes ela tira minha roupa, me põe em frente ao espelho, e alisa meu corpo, sussurrando em meus ouvidos ora safadezas, ora delicadezas.

- Percebe, Lúcia, quão bonita és?

Com o seu corpo colado ao meu, Teresa, percebo. Nada digo. Mas penso que tu ainda és aquela mulher bonita e sexy que um dia caiu no meu papo furado. É que ouvi de tua própria boca que tantos outros já falaram – e de certo continuam a falar, mesmo que tu não me contes –, que prefiro ser tua eterna admiradora. Como nesta manhã, quando foste pedalar por aí. Escute meu silêncio, Teresa. É o que de mais verdadeiro te digo.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O (des)arrumar dos lençóis

Deito-me do lado direito da cama. Ele, no esquerdo. No início dividíamos a tarefa de arrumar os lençóis. Com o passar do tempo, passei a fazer isso sozinho. Não por falta de vontade dele. Mas por hábito meu, que deito e acordo antes. Sou eu quem faço o convite quando o sono chega. Antes confiro o relógio da tv, mudando os canais e torcendo para que nenhum programa o desperte. Então faço o convite. Ele pergunta que horas são. Confere por si mesmo, e se espanta como o tempo passou. Solta um suspiro de resignação.

Eu, que já escovei os dentes e lavei o rosto, sigo direto para o quarto. Já ele cumpre todo um ritual. Costuma ir primeiro à cozinha buscar seu copo de água, que fica ao lado da cama e por vezes faz companhia aos copos e xícaras de noites anteriores. Eu cuido para que as luzes do quarto estejam acesas. Apago assim que ele vai ao banheiro. Ocupo o espaço da cama que me cabe, aquele em que as cobertas não estão presas ao colchão – o dele é o outro, que mais parece um casulo. Impacientemente aguardo por ele, ao som da torneira aberta.

Assim que a água deixa de cair e as portas rangem, me aprumo. Ele caminha pelo vão estreito entre a cama e a parede. Senta na beirada. Toma sua água. Solta mais um suspiro. Ajusta o despertador. Confere se as cobertas estão presas do modo que gosta, e, finalmente, se deita. Eu não durmo sem uma troca de “boa-noite” e um beijo. Ele sabe disto, mas às vezes, algumas de propósito, outras de pura distração, talvez, simplesmente fecha os olhos. Zangado, dou-lhe as costas. Ele nem percebe, ou finge não perceber. Viro daqui e dali. Até que desisto e faço o que esperava que ele fizesse. Ele me abraça. Eu sorrio.  Está tudo bem. Pomo-nos a dormir.

Alguns escritores, como americano Herman Melville, autor de Moby Dick, afirmam que não há lugar melhor que a cama para confidências. “Há casais que conversam sobre os tempos passados até que os surpreende o amanhã.” As nossas são feitas em silêncio, com o roçar de pernas e o alisar dos braços. E por vezes ocupamos a cama toda, sem lados direito ou esquerdo. E desarrumamos os lençóis. Juntos.