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segunda-feira, 14 de julho de 2014

Resta algo a dizer?

Uma grande escritora brasileira, em um de seus textos, diz que talvez tenha desaprendido a escrever. Ao menos de forma literária (?). E demonstra o desejo de chegar o momento que não precise mais escrever. 

Tenho uma amiga com uma sensibilidade ímpar. Seus textos se parecem com ela, serenos e cheios de uma visão muito própria sobre a vida. Há alguns anos passou a escrever menos. Uma dia perguntei o porquê de escrever com tão pouca frequência. Ela respondeu que havia reencontrado paz de espírito desde o reencontro com seu grande amor do passado, que voltou a se fazer presente. Foi-se a inspiração para a escrita. Em seu lugar, a felicidade em viver as banalidades do cotidiano da vida a dois. . 

As palavras talvez sejam inquietantes. Caio F. uma vez perguntou a um amigo se algum dia um de seus quase amores vingaria. O tal amigo respondeu que se isso acontecesse, ele, Caio, perderia a sua essência. Ao encontrar o amor, perderia a sua grande paixão, a literatura.

Há algum tempo que eu deixei as palavras um pouco de lado. Venho, nos últimos anos, descobrindo o silêncio. Admiro pessoas de voz baixa, calma. Talvez por serem o meu reflexo ao contrário. Não falo alto. Mas o meu tom de voz é firme, forte. Então algumas vezes as palavras têm mais peso quando saem de minha boca.

Trabalho com palavras. Mas elas dão voz a marcas, pessoas. Ainda sou eu lá. Como naquele texto curto em que, para vender a função de um celular que reconhece a digital do dono, "eu" digo: "Quando a gente reconhece o outro só pelo toque". Se noutro contexto, poderia ser muito bonito. Talvez, de certa forma, ainda é.

É inegável o poder da palavra. Escrita ou falada, ela dá voz a pensamentos, sentimentos. Uma palavra pode eleger ou não um presidente. Elevar a ídolo uma personalidade ou até mesmo pessoa comum. Iniciar ou acabar com relações de amor, de amizade, de trabalho. Até mesmo os mestres espirituais, que pregam o silêncio do qual falei há pouco, usam delas para transmitir suas mensagens.

Mas nada se compara ao que é dito sem nada dizer. Quando outras partes do corpo dizem aquilo que a boca cala. Pode ser aquele sorriso na fotografia da praia. Aquele olhar de cumplicidade durante o sexo. Aquele roçar de braços ao caminhar lado a lado pelas ruas. Ou então ao assistir a um filme com o corpo voltado um para o outro. Resta algo a dizer? 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Sobre o amor e a ortografia

Eu sempre prezei por pontos, vírgulas, travessões. Todas essas regras de português. Todas essas regras. Saber escrever, pra mim, era requisito básico para a conquista, para o amor. Aí um dia percorri meus olhos naquela confusão de letras que era você. Naquela confusão que era você. Naquela confusão. Em você.

Pra que te interpretasse, era preciso que eu organizasse a sua escrita. Colocasse cada ponto, cada vírgula no seu lugar. Acho que as suas mensagens são uma tradução do que é você: está tudo ali, mas de certa forma meio atrapalhado, meio bagunçado. Como compreender?

Ainda mais eu, que tenho a mania de colocar cada coisa em seu lugar – não só ortográfico. Ao mesmo tempo, também tenho de lidar com a bagunça da minha própria linguagem.
Acho que invejo a sua forma tão mais simples de escrever suas histórias. Afinal, é preciso mesmo tantas normas? Digo, é claro que a forma tem o seu valor. Quem ler essas palavras, tal qual as coloco aqui, talvez se impressione pelo meu domínio do português. E eu me impressionei com a sua "escrita pura".


Em termos de literatura é até poético – ao menos da forma como vejo. Mas acontece que a semântica ajuda a construir as relações fora das folhas de papel. O ponto e a vírgula, quando separados, são bem simples - e nem é tão difícil assim aprender a usá-los. Assim como um parágrafo novo. Assim como as reticências.